Resumo
Segundo Dooyeweerd só existem dois tipos de motivos básicos religiosos:
o revelacional criação-queda-redenção e o motivo básico da apostasia que, no
decurso da história, tem assumido vários contornos. Neste breve texto
asseverar-se-á que as tentativas das cosmovisões ateísta (nos seus vários
contornos) falharam na tentativa de trazer uma resposta aos problemas humanos
e, que a cosmovisão teísta tem a melhor resposta aos anseios do ser humano, pois
entende que o problema dos problemas dos homens é o problema do coração, que
foi criado santo por Deus, depravado na queda de Adão e pode ser redimido
através da obra de Cristo.
Breve panorama das cosmovisões ateístas: A apostasia em vários
contornos
Estes últimos dias, estão sendo marcados, por um grande afastamento dos
seres humanos de Deus e de sua Palavra. Essa realidade não aconteceu da noite
para o dia. Ela surgiu ao longo dos anos, na tentativa do ser humano em achar
respostas para as questões mais importantes da vida. Neste breve panorama
ver-se-á como o pressuposto revelacional “criação-queda-redenção” foi esquecido
e até mesmo abandonado ao longo dos anos e quais foram os contornos apostatas
que tentaram substituí-lo.
Segundo Sire[1], até o final do século XVII, a cosmovisão teísta foi
claramente dominante. Todos os debates intelectuais consideravam os
pressupostos teístas. Em outras palavras, a fé era a médica de todas as coisas.
Apesar de o teísmo ter durado bastante tempo, muitas forças operaram
para derrubar essa unidade intelectual do Ocidente. Uma delas foi deísmo. Suas
respostas sobre o ser humano foram muito além dos limites estabelecidos pelo
cristianismo tradicional. Fator principal para o desenvolvimento do deísmo foi
“uma mudança na localização da autoridade” do conhecimento sobre o divino, que
passou de revelação especial encontrada na Escritura para a razão encontrada na
mente humana. Assim, “a necessidade da razão deu lugar à suficiência da razão”.
A guinada que deu a luz ao problema criado pelo deísmo[2] foi que o
método de obtenção de conhecimentos sobre o universo foi aplicado para obter
conhecimento sobre Deus. Com isso, além de divorciarem-se de Aristóteles como
uma autoridade em matéria de ciência, ele anulou a autoridade revelacional das
Escrituras. Deísmo assim passou a ver Deus apenas na “natureza”, pelo qual foi
criado o sistema do universo. E já que o sistema do universo foi visto como um
relógio gigante, Deus deveria ser observado como o fabricante do relógio, o
qual está distante e alheio a tudo e a todos.
Entretanto, deísmo foi apenas um “istmo” entre dois grandes
“continentes” filosóficos (o teísmo e o naturalismo). Em outras palavras,
deísmo foi apenas uma fase passageira. Quase uma curiosidade intelectual. Se no
teísmo Deus “era” o criador infinito, pessoal e sustentador do cosmos, no
deísmo Ele é “minimizado” e começa a perder sua personalidade (embora ele
continue sendo o Criador e o Sustentador do cosmos), no naturalismo Ele “perde”
sua própria existência. Se no deísmo a razão foi destacada, no naturalismo ela
passar a ser adorada. Se lá a razão era importante, aqui ela é o único critério
de verdade. A existência de Deus passa a ser de pouca importância porque o Deus
que existe é apenas o criador do universo. Ele não está pessoalmente
interessado nele, muito mesmo ser adorado por todos. A solução para os
problemas humanos pode ser encontrada na própria “caixa fechada” no qual vive.
Como tentativa de resposta ao naturalismo nasceu o filho tardio do
deísmo, o qual foi ao mesmo tempo o prematuro do naturalismo: o Niilismo.
Este foi mais um sentimento do que uma filosofia. Na verdade, foi uma negação
da filosofia, uma negação da possibilidade do conhecimento, uma negação de que
tudo é valioso. Negação até mesmo da realidade da própria existência. De outro
modo, o niilismo foi a negação de tudo (a realidade, o conhecimento, a ética, a
beleza). Nada tem validade, nada tem sentido. Ele foi uma resposta desesperada
e angustiada ao mundo do século XX e XXI. O niilismo não apenas falhou em
tentar resolver os problemas humanos, ele o deixou mais desesperado que estava.
O deus do século XX gerou uma nova cosmovisão que veio de parto normal
na forma de “gêmeos siameses”. Um recebeu o nome de “existencialismo ateísta” e
o outro de “existencialismo ‘teísta’”. Ambos de mesma essência, mas com mentes
separadas. O existencialismo ateísta não trouxe uma resposta racional (pois
desprezou o que é objetivo), o existencialismo “teísta” foi uma “boa opção”,
mas não foi atraente para academia. A subjetividade existencialista falhou em
não trazer uma resposta objetiva a dor do homem que é concreta.
Sem opções no ocidente, muitos por volta dos anos 60, rejeitaram os
valores materialista advindo do naturalismo ocidental, e movidos pelo
antiracionalismo, sincretismo e uma vida mais tranquila e com muito tempo para
a meditação seguiram em uma transcendente jornada para o oriente. A Nova Era,
então, foi e tem sido a tentativa de colocar em moldes ocidental as práticas
animistas orientais e assim trazer uma resposta a dor da alma. Mas ela falhou
em apresentar uma ilusão para os problemas humanos e não uma solução.
O Humanismo saiu da arena principal, o modernismo não conseguiu assumir
o seu lugar e o grande gigante que se levantou para a guerra foi o
“pós-modernismo”. Essa cosmovisão chegou aos ouvidos e a vida dos homens após
Nietzsche “confirmar” a “morte de Deus”. O pós-modernismo nada mais é senão o
resultado de levar as últimas consequências seu pensamento moderno: Temos
respostas para os anseios da vida sem “os palpites” de Deus, isto é, seus
princípios revelados nas Escrituras. A cosmovisão pós-moderna falhou ao
apresentar um “menu” com as mais variadas soluções para os dilemas do homem,
mas nenhuma delas com antídotos eficazes.
A consequência desta apostasia que, no decurso da história assumido os
contornos supracitados, tem sido o caos em todas as áreas da vida humana.
Quanto mais soluções horizontais o homem buscou mais desorientado ele ficou.
Nenhuma cosmovisão supracitada teve respostas para os anseios do homem porque
nenhuma entendeu que: o problema dos problemas humanos é o problema do coração.
Em função da queda, o coração ao invés de ser dedicado a Deus, comumente é
dedicado a ídolos. Ele passou “por assim dizer, uma perpétua fábrica de
ídolos”.[3] Isso porque todo homem tem em si, o que Calvino chama de “sensus
divinitatis”. Todos, de certo modo, são adoradores, que buscam desesperadamente
aquilo o seu coração deseja.
Essa adoração dirige crenças (cognitivo), desejos (afetivo) e vontade
(volitivo). O desespero da alma, tanto na esfera pessoal como coletiva, nada
mais é do que a expressão da idolatria que já existe no interior, do homem,
isto é, em seu coração. Como corretamente observou Fabiano Almeida:
o substrato fundacional e condicionador tanto de uma cosmovisão como de
qualquer empreendimento teórico são os impulsos religiosos centrais
compartilhados por uma determinada comunidade social, aquilo que Dooyeweerd
chamava de “motivos básicos religiosos”; Estes impulsos religiosos impelidores
últimos do desenvolvimento histórico-cultural têm a sua origem no coração dos
indivíduos e dali determinam a direção integral da vida humana e,
consequentemente, da sociedade...[4]
Cosmovisão teísta reformada: O remédio certo no lugar certo.
Se, por causa da queda, o problema dos problemas humanos é o problema do
coração, a solução para os eles, tanto no âmbito individual como coletivo, está
em procurar identificar os ídolos que os escravizam e exigem deles obediência,
e procurar num processo de entrega, dedicação e consagração a Deus, ir
renovando o homem interior, tomando a cruz diariamente, sepultando diariamente
os falsos deuses que estão sendo fabricados no coração.[5]
Esse dever de casa somente a cosmovisão teísta consegue fazer. Só ela
consegue enxergar o homem como criado por Deus, caído em Adão (o que explica o
caos no universo e o mal-estar atual em todas as esferas da vida humana) e
redimido em Cristo (criação-queda-redenção: tema apresentado somente pela
Escritura). Enquanto todas as outras cosmovisões levam ao desespero o teísmo
leva a uma confortante esperança de nova vida em Cristo aqui e agora (nesta
vida) e lá e então (depois desta vida).
Aplicação ministerial
Nesse cenário de caos a tarefa da igreja e principalmente de seus
pastores é buscar um método de ensino, pregação e aconselhamento que traga
mudanças mais profundas no centro do ser humano, isto é, o coração. Segundo
David Powlison, o ser humano convive com uma tríplice tensão existente, que
são: os impulsos biológicos, as motivações internas e os condicionamentos
sociais e culturais.[6] A solução para o problema dos problemas humanos está em
procurar identificar os ídolos que o escravizam e exigem deles obediência e
procurar num processo de entrega, dedicação e consagração a Deus, ir renovando
o homem interior, tomando a cruz diariamente, sepultando diariamente os falsos
deuses que estão sendo fabricados no coração.[7]
Deve-se considerar que a purificação do coração que cobiça o mal e adora
o “eu” precisa de cuidados. Este diagnóstico correto levará ao tratamento
apropriado. Como bem asseverou Dr. John Street o uso adequado da hermenêutica
do coração é a ressonância magnética cerebral de todo mestre, pregador ou
conselheiro bíblico.[8]
O alvo deve ser uma abordagem bíblica focada não apenas na mudança do
comportamento, mas na transformação contínua do coração. Nesse sentido, Jesus é
o que todo ser humano precisa para curar a alma afetada seja por ídolos interiores
ou socioculturais. Ele é a origem e alvo de toda a realidade. O mundo inteiro
somente pode ser entendido corretamente quando é visto, a partir de dele, e em
direção a ele. Em suma, nossa união com Cristo nos conduz para uma vida plena,
que vem do próprio Deus. Tudo que precisamos para vencer as lutas da vida vem
de Deus, por meio de Cristo. Qualquer outro antídoto é apenas paliativo.
Rev. Jailson Santos
[1] Esta breve descrição foi feita tendo como base o livro: SIRE, James
W. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão. 4. ed. São Paulo:
Hagnos, 2009. 380 p e as anotações da aula de cosmovisão do curso de Mestrado
em Divindade no Centro de pós-graduação Andrew Jumper professor Fabiano
Almeida.
[2] O deísmo é filho do iluminismo que nada mais foi senão um retorno a
filosofia de Protágoras (c. 480-410 a.C.), o qual, partindo do princípio de que
o homem é o senhor e padrão de toda realidade, conduziu seu pensamento pelo
pleno subjetivismo, dizendo: “O homem é a medida de todas as coisas, das que
são enquanto são, e das que não são enquanto não são”
[3] CALVINO, João. As Institutas, I.XI.8
[4] OLIVEIRA, Fabiano Almeida de. Cosmovisão Reformada: Pensando e
interpretando a realidade à luz de princípios teorreferentes. Anotações da aula
de cosmovisão do curso de Mestrado em Divindade no Centro de pós-graduação
Andrew Jumper professor Fabiano Almeida de Oliveira.
[5] POWLISON, David. Ídolos do coração & feira das vaidades: vida
cristã, motivação individual e condicionamento sociológico. Brasília: Refúgio,
1996.
[6] Ibid
[7] Cf. Ibid
[8] STREET, John D. Purificando o coração da idolatria sexual. São
Paulo: NUTRA publicações, 2009. 240 p.
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